Folhetins impressos com detalhes da vida privada da alta sociedade tiveram um “boom” na Inglaterra no século 18
Como a série “Bridgerton”, sucesso da Netflix, mostra bem, há séculos que a fofoca tem sido um dos maiores passatempos dos seres humanos.
As colunas dedicadas a acompanhar cada passo das celebridades podem ter ganhado uma nova cara com a internet, mas nossa curiosidade em relação à vida dos outros é tão antiga quanto pode ser.
Até hoje, a monarquia britânica toma conta das manchetes de todo o mundo com qualquer desentendimento ou polêmica que ronde a família. E é assim há mais de um século.
Mas a partir de que momento o boca-a-boca deixou de ser suficiente e a fofoca ganhou os contornos de uma profissão com as colunas impressas em jornais? Folhetins como os de Lady Whistledown realmente existiam, expondo os detalhes da vida privada da sociedade inglesa?
Fofoca impressa
O início das colunas de fofoca se confunde com o início da impressão em massa de jornais. Existem registros de fofocas publicadas em jornais de Londres desde o século 17, mas foi no século 18 que as colunas de fofoca passaram a circular em toda a sociedade da Europa.
Ao longo do século 19 — período no qual “Bridgerton” se passa –, a circulação de jornais, revistas e panfletos já era bem comum, e a maior parte deles possuía uma sessão dedicada à vida e às intrigas da alta sociedade.
“Fofocas e escândalos faziam parte das notícias da época”, explicou Hannah Greig, a conselheira histórica de “Bridgerton”, em entrevista à produtora Shondaland.
Esse “boom” das colunas de fofoca na Inglaterra aconteceu por dois principais motivos: a impressão em massa havia se tornado tão acessível que cada cidade passou a produzir seus jornais locais, e as leis de difamação se tornaram bem mais flexíveis durante o período da Regência Britânica.
“O controle da cultura impressa mudou [no século 18]. Houve uma explosão massiva da cultura jornalística, da publicação de panfletos – era basicamente um mundo de papel. E você precisava de informações para imprimir. Foi uma espécie de apogeu jornalístico”, acrescentou Greig.
As celebridades da época
Para a historiadora, “a conduta dos membros da elite foi escrutinada pela imprensa da mesma forma que hoje comentamos o comportamento das celebridades”.
Segundo ela, quase todos os jornais diários de Londres da época publicavam colunas de fofoca. A partir de meados do século 18, periódicos mensais como The World, The Connoisseur e Le Bon Ton também passaram a dedicar parte do seu conteúdo a isso.
“Eles tinham como foco aventuras, condutas e tendências do mundo da moda”, disse Greig. “Para a revista Town and Country, os escândalos sexuais eram um grande negócio, com detalhes dos casos amorosos da alta sociedade publicados em um artigo mensal chamado ‘Tête-à-Tête’ durante as últimas décadas do século 18.”
Lady Whistledown?
Embora muitas colunas fossem assinadas, outras tantas eram anônimas, assim como a de Lady Whistledown. No entanto, um detalhe diferenciava os fofoqueiros da vida real e da ficção: eles não costumavam revelar com todas as letras os nomes de quem estava sendo falado.
“Os nomes reais dos indivíduos em questão eram substituídos por iniciais ou por um pseudônimo sugestivo, mas os artigos incluíam retratos dos protagonistas, e suas identidades eram facilmente determinadas pelo público que consumia as notícias”, explicou Greig.
Ela usou como exemplo um dos personagens da série: “Então, se fosse [sobre] Anthony Bridgerton, poderia aparecer na coluna de um escândalo como ‘o Visconde B.’ Seu nome completo não seria divulgado.”
Nesta mesma época, também começaram a se popularizar romances inspirados nos acontecimentos da vida da alta sociedade, com personagens e eventos da vida real baseando as histórias dos livros. “Extraídos da vida real, mas apresentados como ficção”, explicou a historiadora.
Desde então, sabemos que o interesse por colunas de fofoca apenas continuou, pulando das páginas de papel para a tela do computador e dos smartphones que carregamos no bolso hoje em dia.