O veneno da rede social: como um comentário pode empurrar adolescentes para o precipício

Veronyre Grugg
Veronyre Grugg

Um mero comentário, um comentário “inocente” e sua vida simplesmente acaba. A proposta do programa hoje é entender qual é o poder do cyberbullying na internet. Porque não damos a devida atenção a ele. E como a gente pode contribuir para a cura de uma sociedade que é considerada uma das mais fofoqueiras do mundo.

A fofoca faz parte da cultura do mundo ocidental. Seja na igreja ou no trabalho, seja na mesa do bar, a fofoca é a massa do bolo com pitadas de preconceito, julgamento, racismo, mas ela não vem das ideias, e sim do mundo do sentir emocional.

A fofoca nos faz sentir importantes. Promove quem supostamente “tem a informação”. Dá status, visibilidade e amplificação. É uma arma de poder, aumenta a vulnerabilidade do outro. É uma forma de controle na sociedade da informação, em que o sensacionalismo, ou seja, um realismo ampliado, viraliza muito mais rápido. E gera remuneração. As bigh techs lucram muito com a fofoca alheia.

Eu fico impressionada como uma coisa antiga como a fofoca se reinventou na modernidade, na forma de comentários tóxicos e muitos desagradáveis. Afinal, ainda somos primatas da vida alheia, bisbilhoteiros high tech e “vampiros telemáticos” da reputação de pessoas que sequer sabem o que é isso, porque ainda são muito jovens.

E para falar da fofoca, o programa de hoje traz um convidado muito especial, o professor Alejandro Toro (1), facilitador de biodanza e educador, além de neto do Rolando Toro (2), chileno que criou a biodanza.

Alejandro desenvolveu um trabalho na Bélgica em retiros para jovens que tentaram tirar a vida, devolvendo a eles a autoestima por meio do encontro humano, abraços e vivências envolvidas em aceitação, amor próprio e amorosidade.

O que impressiona no relato dele é ouvir que essas crianças, sim, passaram por violência e dramas pessoais, mas que foram elas, as fofocas, que atuaram como gatilho para uma ação desesperada contra a dor que estavam sentindo, diz Alejandro Toro.

“Aconteceu que todos esses jovens foram vítimas de algo terrível que foi a porta que se abriu para tentar tirar a vida. A coisa interessante que eu descobri é que não foi o feito em si, o feito que poderia ser um abuso, mas tudo que começou a acontecer em torno disso, o que as pessoas começaram a falta do que eles haviam vivenciado, que começou a tirar eles do quadro social, da tribo, do lugar onde eles se sentiam seguro, os amigos, a família. Teve um caso de uma adolescente ficou fora da escola que julgaram ela de um jeito muito ruim e ela se sentia sem sua matriz de suporte afetivo, por causa de tudo que falavam, através de Instagran, Telegram, os jovens não estão se conta de que estão incentivando a pessoa a pular pela janela. Cada vez que nós estamos participando de uma fofoca, estamos participando de um assassinato. Não é um 50 ou 60% dos casos. Em 100 dos casos dos adolescentes que estavam em tratamento, o pior não foi o fato em si, mas foi o que estava por trás.”

A rede social não é ruim ou boa. Ela atua como fermento. Ela potencializada o que está sendo divulgado, seja um trabalho de arte, seja um cancelamento moral de uma pessoa. Por que podemos incluir a fofoca como uma parte importante da rede social? Isso não é uma generalização?

Márcio, se tem algum exagero aqui, é no fato de que a internet é o território do espetáculo, do extremismo e do fundamentalismo. Não é só isso, mas é também isso. Os jovens, diz Alejandro, são os mais vulneráveis pois eles buscam aceitação e identidade de grupo. E como a vida migrou para as redes sociais, é lá o novo terreno do encontro e da construção da persona que eu sou.

Não é preciso ser uma figura pública para sofrer um cancelamento moral, que é a mobilização de pessoas que se unem para criticar, denunciar, compartilhar notícias ruins, mentiras e até mesmo ameaças.

A sociedade já é repressora por si só, com suas matrizes morais e sociais, com inúmeros tabus e condutas sociais esperadas. Porém a rede funciona como um espelho de quem eu sou. O próprio Alejandro Toro conta como se sentiu, de certa forma, alvo do cyberbullying com a recente vitória da Argentina na Copa do Mundo do Qatar, como nos conta Alejandro Toro.

“Não é porque tem muita gente falando mal de alguém que esta pessoa seja assim. Por que tem pessoas que não falam, mas os outros só sentem o ódio das pessoas. As redes sociais funcionam com as reações. Eu sou argentino e vejo quando a Argentina ganhou a Copa do Mundo e os franceses falando isso. E isso dava mais visualização na rede. Todo mundo está comentando isso, mas ninguém falava bem disso. E os scripts (as empresas de tecnologia) não compreendem isso aí. Só querem que esse conteúdo seja partilhado.”

O que faz a gente reagir? Porque ninguém partilha uma evolução tecnológica fantástica? As ações que salvam vidas? Ou como estamos salvando o planeta? Porque notícia boa não dá ibope?

“Nós todos temos que ser mais responsáveis e ver o que eu quero compartilhar, ó que tem importância para mim e para o mundo que eu quero criar. O futuro não são coisas a que vão acontecer, mas somos nós eu vamos fazer. Qual a comunidade que a gente quer criar? Onde eu quero morar? Como eu quero que as pessoas sejam. Meu avô Rolando Toro dizia: não há crítica construtiva. Só existe critica. E coloco junto com meu professor de universidade que dizia: “as pessoas que estão perdendo tempo criticando, elas não têm tempo para fazer. Elas não estão fazendo nada, ” diz Alejandro Toro.

Mas nem só de fofoca vive a rede. Ela permite que a gente mostre a nossa arte, a nossa história, a expressão subjetiva. Cada pessoa é diferente, única e multifacetada na sua experiência de vida.

Alejandro Toro acredita que, se o avô Rolando Toro estivesse vivo, Rolando faria o seguinte comentário: “as redes sociais são “o método” para mandar uma mensagem para o mundo toda, mas não temos a mensagem”.

É uma frase forte. Não sabemos o que queremos. Alejandro lembra que o método da biodanza é um método no qual não se usam palavras, mas sim abraços e olhares, na tentativa de gerar conexão, empatia, proximidade. É essa conexão que alimenta os jovens, e não aquela formada por bites e bytes.

Na vida real, quem está começando a viver precisa de alianças, laços emocionais e contato físico. Precisa aprender a escolher entre a popularidade da rede social ou ser importante de verdade para uma única pessoa.

Alguém duvida que é a segunda opção que justifica o desejo de viver e sana todas as angústias, traumas e dores que fazem parte do mar turbulento da adolescência.

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