Em maio de 2023, Aos Fatos revelou que o site hiperpartidário Terra Brasil Notícias recebera dinheiro do gabinete do deputado federal João Maia (PL-RN) pela prestação de “serviços de reportagem, assessoria de imprensa, jornalismo e relações públicas”. O repasse coincidia com a veiculação de publicações em tom favorável ao congressista.
Contumaz produtor de desinformação sobre, por exemplo, a segurança das urnas eletrônicas, o site potiguar foi o mais compartilhado em grupos de WhatsApp monitorados pelo Radar Aos Fatos durante a campanha eleitoral de 2022. À época, computava cerca de 20 milhões de visitas mensais, de acordo com a ferramenta SimilarWeb. Em janeiro de 2024, dado mais recente, foram 21,2 milhões.
Quatro dias depois da publicação da reportagem, Aos Fatos foi atacado nas redes pela mesma horda extremista que nos ronda desde a década passada, com mensagens de rasteira sofisticação intelectual. Chamou atenção, no entanto, a publicação pelo próprio Terra Brasil Notícias de um texto cujo título era, literalmente, “EXCLUSIVO: Saiba quem é a jornalista Tai Nalon, seu trabalho é atacar veículos de notícias independentes através de uma rede de checagem e ajudou na elaboração da PL da Censura”.
O texto é um marco da literatura de ficção e inova ao apresentar uma técnica até então desconhecida — o fluxo de inconsciência:
“Se diz uma empresa sem fins lucrativos, mas somente em uma campanha para arrecadar dinheiro através do sistema crowdfind arrecadou 50 mil reais, a empresa ainda é remunerada por gigantes como Meta dona do facebook, Instagram e WhatsApp, além do aplicativo de mensagens Telegram e KUAI, em sua pagina eles tem o modo apoiador que vai de 20 a 100 reais mensais para quem quiser contribuir, além disso tem parceria com o portal Terra para publicações de suas matérias, um negócio aparentemente lucrativo e que detem um poder crucial, dizer o que é verdade ou mentira, uma espécie de censor, mas alguns pontos checados pelo Terra Brasil Noticias intrigam e mostram o Modus operandi da empresa, com dezenas de processos a empresa checadora já foi condenada por publicar “Fake News”, em uma das condenações o valor foi de 10 mil reais.”
Na ocasião, organizações como a Ajor (Associação de Jornalismo Digital) repudiaram as acusações mentirosas. “O texto, assinado por Júnior Melo, um dos fundadores do portal, divulga informações falsas sobre a jornalista e sua organização, além de fazer ataques sem fundamento e descredibilizar profissionais da equipe e outros veículos”, diz a nota. Aos Fatos buscou reparação formal e aguarda decisão do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).
Maio de 2023 também foi marcado por intensas discussões sobre regulação das plataformas digitais por conta da tramitação na Câmara do PL 2.630/2020, comumente chamado de “PL das Fake News”. Opunham-se ao texto grandes empresas transnacionais de tecnologia, a bancada conservadora e veículos cujo compromisso com a verdade factual é abaixo da crítica. O Google, por exemplo, publicou uma nota em sua primeira página com informações que distorciam e omitiam fatos sobre o projeto de lei.
No fim do ano passado, fiz o que qualquer ser humano em busca de problemas faz na internet: pesquisei meu nome no Google. Reparei que o buscador sugeria, prioritariamente, que a busca por “Tai Nalon” fosse acrescentada pelas palavras “é de esquerda”. Repeti a ação no navegador, mas em uma aba anônima, o que gerou o mesmo resultado. Esse tipo de indicação, diz o Google, ocorre por se tratar de uma busca frequente entre seus usuários. Essa justificativa serviu para a plataforma negar, à época das discussões do PL 2.630, que o buscador favorecia pesquisas associadas ao termo “PL da Censura”.
Quem gosta desse termo é, entre outras publicações, o Terra Brasil Notícias. O texto que indica que “ajudei na elaboração do PL da Censura” aparece em primeiro lugar como destaque ao buscar “Tai Nalon é de esquerda”.
“Outro ponto intrigante é que a empresa é usada para atacar veículos de direita e conservadores na maioria das suas matérias, para disfarçar eles publicam checagens obvias sobre alguns integrantes de esquerda mas tem o cuidado de pegar fatos que não causem estragos maiores”, destaca o Google, com trecho da publicação do site desinformador.
Em outro caso, o trecho destacado pelo Google é “Tai Nalon conta com um exército de jornalistas ativistas da esquerda e do progressismo que trabalham para desmobilizar as mídias independentes e rotineiramente atacam veículos que tem exponencial na mídia nacional”.
Esse tipo de destaque na busca do Google chama-se snippet e é gerado, segundo a empresa, para melhorar a experiência do usuário de dispositivos móveis ao buscar informações. “Os sistemas automatizados do Google determinam se a página gera um trecho em destaque que merece ser realçado em uma pesquisa”, diz a empresa. “Exibimos trechos em destaque quando nossos sistemas determinam que esse formato ajudará as pessoas a encontrar o que procuram com maior facilidade, tanto pela descrição da página quanto ao clicarem no link para ler a página em si.”
Como o próprio Google explicita, seus robôs vasculham sites à procura de informações para colocar em destaque na busca. Esse tipo de tecnologia está no centro do debate sobre a obrigatoriedade de remuneração das plataformas digitais ao jornalismo, já que é comum que os snippets reproduzam notícias protegidas por direito autoral. O PL 2.630/2020, contra o qual a empresa fez campanha aberta, também demanda responsabilização da plataforma pela veiculação de conteúdos similares ao usado pelo Google a partir do texto mentiroso do Terra Brasil Notícias, uma vez que foi escolha ativa da plataforma destacar o conteúdo.
Desde janeiro, pedi a alguns colegas que verificassem se as buscas pelo meu nome no Google retornam esses mesmos resultados, sejam em abas anônimas ou logadas. Pelo menos dez pessoas testaram, em diferentes dias e horários, e receberam o mesmo resultado no topo da página. Pode até não ser pessoal, mas talvez seja por dinheiro.
Ocorre que o Terra Brasil Notícias veicula anúncios do Google, embora não esteja claro se o site embolsa o dinheiro gerado pelos sistema de publicidade programática. Em novembro de 2022, relatou ter sido desmonetizado pela plataforma e pediu que fosse feita “vaquinha para pagar despesas”. Não se sabe se algo mudou. O que é fato, porém, é que, nesse modelo de monetização, o dono do site que usa o serviço de publicidade do Google fica com uma parte dos valores gerados a cada veiculação de anúncio, enquanto a plataforma fica com outra parte. Isso significa que o Google lucra ao direcionar audiência do seu buscador a um site que usa sua ferramenta de anúncios. Na prática, a plataforma está ganhando dinheiro com informações comprovadamente falsas e ódio contra jornalistas.
Investigação do site estadunidense ProPublica veiculada em outubro de 2022 mostrou que o Google ganha dinheiro sistematicamente com informações falsas. Seu serviço de publicidade programática colocou anúncios em 41% de cerca de 800 artigos com informações falsas sobre Covid-19 analisados por organizações de checagem de fatos acreditadas pela IFCN (International Fact-Checking Network), da qual Aos Fatos faz parte. Em setembro de 2022, uma reportagem minha com Ethel Rudnitzki e João Barbosa no Aos Fatos mostrou que o Google AdSense beneficiava 9 dos 10 sites hiperpartidários mais populares em grupos e canais de WhatsApp e Telegram durante as eleições.
Por e-mail, a empresa afirmou que os resultados de pesquisa de seu buscador “incluem páginas da web aberta”. “Quando um conteúdo viola as políticas de conteúdo do produto ou recebemos solicitações judiciais válidas, agimos para impedir que o conteúdo fique acessível na Busca”, diz o Google.
Em relação ao uso de ferramenta de publicidade programática pelo Terra Brasil Notícias, a empresa disse ter “políticas robustas que determinam as regras para que pessoas e empresas usem o Google AdSense para monetizar seu conteúdo por meio de publicidade”. A plataforma não respondeu se o site potiguar efetivamente monetiza conteúdos mentirosos ou se o serviço está ativo no endereço em questão.
“Quando não há elementos suficientes para identificar se houve uma violação das nossas políticas, cabe à Justiça determinar a remoção do conteúdo, de acordo com os termos do Marco Civil”, afirmou também.